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    sexta-feira, 6 de julho de 2012

    Histórias de Matões: A morte de dona Chinchinha


    Igreja de Santa Luzia no povoado Santa Luzia

    Confira na brilhante narrativa de Gil Alves dos Santos  a história do acidente que resultou na morte de Dona Maria Alves de Brito ( Dona Chinchinha), ocorrida em 1952. Ela era esposa do líder político Dozinho Brito e uma das maiores expressões feminina da história de Matões no século passado.

    1 – Na década de 1950, quando morávamos no povoado BURITI-CORTADO, contava-se em uma das mãos os caminhões que circulavam entre Timon e Matões: Luiz Firmino, Dôzinho (Antenor Pereira de Brito), Antônio Setúbal (“Antonino”), Francisco Desidério (guiados pelo grande Chico Caboré, FIAMPUBA, João Burguês, todos bons profissionais). Pelo menos eram os proprietários e fazendeiros ricos, mais importantes da região. Os carros que vinham de Matões não passavam pelo Buriti, fato que que obrigava os interessados no deslocamento em boas montarias até o Povoado Terra-Dura, onde havia um poço sem fim, habitado, segundo a crendice, por uma serpente com asas de cinco metros. Dali, seguia-se para o Brejão, do Sr. Fausto, ao depois, para o Casteliano, 
    do Doutor Francisco Assunção; daqui para o Perdido, e por fim, passava-se no Irajá, do Sr. Raimundo Pessoa; pegava-se o que hoje é a BR-226, não sem antes falar do terrível e temido obstáculo, A Ladeira da Balança. O carro, ainda que novo, subia-o lentamente, em prize ou primeira reduzida, com o ajudante ao lado das rodas trazeiras, conduzindo um enorme e pesado cêpo de madeira, normalmente pau-darco:- era o freio literalmente manual inventado na hipótese de algum problema mecânico, como que prevenindo um desastre, de proporções inimagináveis, felizmente nunca acontecido. 

     2 – Eu tinha apenas nove anos de idade. E que no Buriti Cortado morava também meu amigo e companheiro de infância, único, e de outras lutas, já adultos, FILADELFO ASSUNÇÃO E SILVA, brioso oficial reformado da Policia Militar do Maranhão. 

    3 – Data do fato objeto deste escrito:- 12 de dezembro de 1952. Papai na sua Xandoca, uma burra marchadeira, que parecia flutuar sobre o chão, e Riba Araújo, em seu cavalo baiador, bem selado, cochonilio branquinho, com um peitoral bem niquelado, acompanhados dos respectivos tropeiros, bons e ordeiros capatazes. Aí por volta das quinze horas, foram esperar o carro no povoado Terra-Dura, cuja rodoviária acolhedora era a sombra de uma frondosa faveira, que já não existe mais. 
    Pelas informações, o caminhão que estava descendo, vinha não sei se do Passa- Tempo ou do Jacarandá, de Dona Agostinha Moura. O enorme e nada confortável veículo, salvo engano, um Chevrolet, do Sr. Dôzinho, deslizava entre galhos, areia, lama, sol e poeira, estrada do tipo carroçável. O caminhão estava carregado com uma grande quantidade de sacos com coco babaçu. Jacás de galinhas retiradas dos poleiros também compunham a bagagem. A carga era completada pelos passageiros, na sua maioria homens de negócios, comerciantes, que tinham os sacos como assentos. Alguns levavam uma latinha, tipo leite Ninho, recheada de frito, cheiroso quanto gostoso. Uma beleza! Um ambiente mais do que saudável. Todos em animada conversa, sem pressa, estresse ou resmungos maléficos tão comuns nos dias atuais. A segurança do/no motorista, o Mundico Torres, era total. Meu pai, Genésio Alves dos Santos, estava nesse grupo. 

    4 - A noite chegara, e pelo andar da carroagem de um só veículo, já passava das 20 horas. O povoado 89, um gigantesco atoleiro na época das chuvas, já estava para trás. O veículo seguia sob a direção firme do motorista Mundico Torres, um homem que, segundo os linguarudos, em Timon, namorava cinco formosas mulheres, todas próximas, vizinhas, na mais perfeita e santa harmonia. 

    5 - Os bancos de areia exigiam velocidade e agilidade na direção, ainda não hidráulica, para que o carro neles não ficasse enganchado e também para que não quebrasse o semi-eixo (sic). As curvas eram inevitáveis. Pessoas ilustres, vipes, viajavam na boleia do carro, ainda mais quando, no caso aqui narrado, a passageira era esposa do dono do transporte. Um parêntese:- essa senhora, numa suprema elegância, mandou que o motorista, na Terra-Dura, procurasse na volumosa carga um bom lugar para que o papai, já um seu conhecido, “...viajasse bem sentado até Timon.” Fecho parêntese. A fatalidade, ninguém sabia, viajava ao lado, na mesma velocidade. No povoado Irajá, já noite, um rasga-mortalha, com o seu grasnar de pavor, segundo a crendice, sobrevoou o carro, como que avisando o acontecimento de algo trágico, imprevisível:- Um dos passageiros, o Riba Araújo, balbuciou:- Deus nos livre desse agouro. A viagem seguiu!

    6 - Tudo calmo, conversa animada, nada obstante o desconforto do transporte. A lua cheia, muitas estrelas, brilhavam no céu. Timon estava próximo, pois já passando pelo povoado ONÇA. A lembrança com a tragédia do Titanic, certo que em mundos e vias diferentes, não é ao acaso. Foi quando, como um aicebergue invisível, formado pela força do ar da velocidade do carro, de dentro para fora, abriu-se a porta da boleia, do lado do passageiro e num átimo de segundo, caiu a senhora CHINCHINHA (MARIA ALVES DE BRITO), ninguém menos que a esposa do Sr. DÔZINHO. O instinto do chauffer, no frear o pesado veículo, causou à tragédia um ingrediente de infortúnio:- a brusca frenagem do carro deu-se exatamente em cima das pernas da acidentada, que num sofrimento atroz ficou presa sob os pneus traseiros pesados e quentes do veículo. Foi obrigado a dar marcha-à-ré para liberar o corpo da indigitada senhora. A dor que sentia era indescritível! Como se alimentada por uma força celestial, no entanto, ela não gritava, não se lamentava. Nada de lamúrias. Todos ficaram admirados da resistência daquela senhora. Mantinha-se absolutamente calma, confiada no auxílio de Deus e nos milagres do Divino Espírito Santo. Um pouco mais lento, justo para não agravar o sofrimento de Dona Chinchinha, que agora seguia na carroceria, razoavelmente acomodada, seguia o Mundico Torres, que se mostrou ser um homem de responsabilidade, seguro, firme, pois, na hora, até se imaginou que ele fugisse do local do acidente. Mas não! Ele foi um profissional

    7 – Sem um rolinho de esparadrapo, gaze, esvaindo-se em sangue, sem alternativa, sem recurso médico algum, sem absolutamente nada para contato à distância, agasalhou-se a Senhora Chinchinha por entre sacos de babaçu, deitada em uma preguiçosa - nada recomendado em situações que tais. 

    8 – Residia o Sr. Dôzinho no local onde hoje está instalado um dos escritórios do cidadão Deusamar Martins Bringel. Por volta de 22/23 horas, a cidade já em silêncio, o caminhão estacionou na porta do empresário. O desespero, o corre-corre pelo inesperado contaminou a todos. Os socorros médicos eram escassos e as consequências não poderiam ser outras:- Dona Chinchinha (Sra. MARIA ALVES DE BRITO) morreu em poucas horas. 

    9 - Também morrem aqui as minhas lembranças, daquela que seria a visão das consequências de um acidente de carro, fatídico, o primeiro, em minha vida. No dia seguinte, papai estava voltando para o Buriti-Cortado, num Ford do Sr. Luiz Firmino, que no para-choque dianteiro mantinha o nome da empresa e do imóvel que ocupava:- A PRINCIPAL, administrada por um jovem rapaz talentoso, inteligente, corretíssimo, um notável e brilhante contabilista. Seu nome:- LUIZ DE SOUZA PIRES. A Empresa não existe mais. O imóvel está em decadência.

    10 – Anos depois, fui com minha mãe Maria Delfina, partindo do Buriti-Cortado, ao povoado Santa Luzia, município de Matões, para um batizado em missa celebrado pelo grande e inesquecível Padre Delfino. À noite, numa manifestação ao Divino, ví e ouví dos rezadores e foliões do povoado entoarem, com rabeca fanhosa e tambores, o seguinte e choroso lamento, aqui em livre reprodução:
    “...............................................................................”
    Ô! Se acabou a imperatriz,
    De São José dos Matões. 
    Morreu a imperatriz, Senhora Chinchinha.
    Deixando muitas dores em nossos corações.”

    11 – Era o que eu sabia. Se existem erros, é consequência da memória do escrevinhador, pois na época dos fatos aqui mencionados (12/12/1952), efetivamente acontecidos, eu tinha 9 anos e hoje estou chegando nos 70. Mas com certeza alguém muito curioso está querendo saber qual a razão dessa história. Muito simples, respondo. Primeiro, realçar o lado humano da falecida, Senhora Maria Alves de Brito, que evidentemente não me conheceu. Segundo, relatar um fato de triste e funesta consequência, acontecido nos primórdios da minha infância, pois contava eu apenas nove anos de idade. 

    *Gil Alves dos Santos (gilsantos.adv@uol.com.br), é bacharel em Direito.
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